LXI

Pedra,
dentro um sorriso,
duro e vazio;

Cheio de tempo e tristeza, 
Vago de amor e sentido.

Dentro do tempo,
vazio e duro,
Amor e tristeza
sem sentido.

Pedra, dura e vazia...
Ainda o amor
E um sorriso

Dentro da pedra,
vazia e dura,
o tempo
vago e perene.

LX

Volto sem nada nas mãos,
uma cerveja me salva!

O calor é o mesmo,
o banheiro é o mesmo...
E os jovens também!

Aqui, onde nunca foste perecível,
praguejaste contra a tua imagem.

Revivo e reviro a tua tristeza,
porque cá estou...

Que seja grande onde estiveres
a tua felicidade enfim.

LIX

Não busque na amizade o consolo,
Nem, tampouco, a complacência.
Da amizade queira a verdade,
que se assim não for, não é...

LVIII

O exercício da solidão resume-se a:
pular corda e pensar a distância do mundo.

LVII

Bate, bate a hora, enfim!
Recolho no campo o que me sobrou.
As mãos vazias, os pés vazios
o peito oco e a alma murcha.

Das semeaduras nada vingou,
das colheitas, um novo plantio...
Espero pela esperança, pela chuva e pelo fim.

LVI

Um Gaulês irredutível,
um Queiroz irredutível
o que importa?

Importa ser bom!
Bom como os avós e as crianças
chutando a roda dos dias.

LV

Nasceu junto ao nascer da primavera,
Equinócio das flores e do amor.
Iluminou o mundo desde um sonho Apolíneo
e venceu Fobos com auxílio de Atena.
Migrou como pássaro rumo a desolação
E aí foi feliz com arcas cheias de gelo.

LIV

Semear é partir-se ao meio pelo futuro.

LIII

Despertava de madrugada
com medo de não acordar.
De manhã tinha sede do mundo
e corria atrás do tempo.
À noite procrastinava o sono
até a vida alcançá-lo em silêncio.

LII

Sempre conheceu o vazio presente nas palavras,
pois quanto mais cheias, mais inofensivas...

A ofensa é uma ação sem verbo.

LI

Cria no progresso humano,
na evolução moral e no século XXI.

Cria piamente na igualdade,
na liberdade do corpo,
e na verdade dos bons ideais.

Não admitia a intolerância
e detestava a divergência.

Queria salvar o mundo da pobreza,
e pensava o sacrifício
como um anacronismo religioso.

Sonhava o Universo sob o império do amor
e era promíscuo como um cão.

L

Yahweh
nunca pediu a tua opinião, guri!

Folhas secas em teu rosto
e sementes aos teus pés
bastam!

Deus não precisa de palavras para contar a História...
Precisa de homens!

XLIX

Vem, filho meu, é chegada a hora,
não há mais razão alguma para o medo!
Em meus braços lúcidos hei de te embalar,
pois a angústia que aqui vivia já não existe.

Vem, que Israel se fez história
e a verdade resplandece sobre o corpo do futuro...
E mesmo que ventre algum no mundo te carregue,
és real como o pensamento e a morte.

E ainda que ao fim desta jornada não me venhas,
Filho meu, terás em mim a realidade e a plenitude.

XLVIII

Navego garrafa no meio rua,
flutuo papel em futuro naufrágio...
Sempre a incerteza do mar e da chuva;
sempre a beleza no que já não é.

Grita o marujo do alto do mastro:
São montes de água pra não mais acabar!
Fala o imediato apoiado na proa:
Força, homens, a terra há de chegar!

A chuva não deu descanso àquela noite
nem à manhã seguinte, nem à semana inteira.
Molhados e brancos os marinheiro pediam,
famintos e trêmulos os marinheiros rogavam.

Ao fim, a vida afundou sob uma nesga de sol.

XLVII

Um perfume se desprende do teu rosto,
não reconheço mais as flores no jardim...
Imito o sol sobre a brancura da manhã
entorno o vento e repouso no vazio.

Não sou o mundo e bem podia,
não sou o amor e nem o quero...
Uma doçura se desprende do meu peito
como se fosse feito de alcaçuz
o meu respiro.

XLVI

Era uma noite antiga,
tão antiga quanto a mais antiga
das noites.

Andava sozinho e no escuro,
e trazia comigo a natureza
do íntimo.

Depois que a noite partiu
joguei-me ao pasto bebendo luz
e silêncio,

risquei sombras na cara do dia,
planos na palma na mão...

E trazia ainda comigo a natureza...
Anitquíssima!

XLV

Era um cachorro cheio de vida,
corria e brincava pelos jardins do bairro...
A idade, contudo, é implacável e medonha,
Passou a perder-se em casa e a viver em círculos.
Concluiu, em sua sabedoria canina, a redondeza do mundo
assim como a vida, em seu pelo castanho, era feita um ciclo.

XLIV

Aqui, onde a viola faz dançar as formigas,
A noite é um vazio enorme feito de suor e escuro.
Nunca deixei de partir dos meus sonhos,
E sempre só encontrei no caminho verdades ruídas.

XLIII

Eloquente, dizia coisas demais;
Sereno, dizia coisas de menos.
Na vida não aprendeu o sabor da prudência,
Nem suspendeu a veemência da fúria...
Dispersou-se através dos anos depois que perdeu a língua.

XLII

Correu como se fosse evitar o Armagedom!
Sem dor e sem medo da Salvação.
Diante da igreja, persignou-se como quem afasta moscas.
No caminho tropeçou, e prosternado rogou mil vezes...

Para nada: os bancos não perdoam as procrastinações.

XLI

Bebeu, bebeu, bebeu!
Por desespero, bebeu o mar inteiro.
Dormindo, mijou a casa, a cara, o carma
---------------------------da mulher que amava...
Sonhou que regava o jardim de Epicuro!

XL

Era magro como o silêncio,
E largo como um comboio.
Jogava bola de olhos fechados
E ria do vazio, por nada e por qualquer coisa.
Tinha tantas namoradas que não podia contar.
Gostava de contar histórias
E nunca amou nenhuma delas.

XXXIX

Ela tinha quinze anos,
Eu, três bergamotas no bolso!
Ela dizia gostar do amor e do mundo;
Eu de acordar de manhã.
Ela me beijava como se sede tivesse;
Eu gostava do rio e do beijo do sol.
Ela foi embora e disse nunca mais,
Eu, que não guardava infinitos.

XXXVIII

O pai comia carne gorda,
Nós andávamos de bicicleta...
E as tardes de domingo eram repletas
de vazios!

XXXVII

Podia conversar com as pedras e sorrir com o vidro,
tinha o coração de areia e os olhos de rio!
chorava ventos e transpirava sonhos...

contudo, não era nem de longe um palhaço original.

XXXVI

A saudade é o mais doce dos castigos.

XXXV

A filosofia nunca foi sábia o bastante
------------------------------para olvidar-se...
Só o poeta transgride a verdade.

XXXIV

Deixei de usar gravatas borboleta...
Agora, uso beija-flores.

XXXIII

Amar é ignorar tamanhos.

XXXII

Beber é inundar-se de si mesmo.

XXXI

o mundo é um pião na mão de um guri...
o tempo é uma criança!

XXX

nascida a única flor
em meio aquele jardim de pedras,
constatei o óbvio: também sorri o silêncio!

XXIX

o mar é como uma sanga
que bebeu muito campo.

XXVIII

depois que tanto me desperdicei,
o tempo pareceu-me muito mais do que zangado.
descobri que meu castigo era ser eu, sem nenhum outro.
ah, se eu tivesse pés de curupira poderia trapacear o passado,
mas nunca fui de jogar fora essas coisas que se aprendem.

XXVII

meus pés tem a cor dos cascalhos
minhas mãos, bergamota.
meu peito um tanto de grama,
meu coração chuvarada

XXVI

foi um verão daqueles.
a mosquitama vagalumeava a deus dará
e o Girivá, ali, humilde, coberto
de fevereiros e de gente pequena brincadeirando,
solta por tudo o que é mato e campo.
o pai e mãe tinham voltado da viagem
feita ao sul do que é norte. andaram em barquinho
mergulharam em arroio, quase arranharam céu.
depois foi um aperto de cincha que deus me livre,
ô, tempo difícil! e o Girivá véio risonho, feliz da vida
pela ida e pela vinda de tanta gente sem mais.

eu tinha lá minhas duas mãozinhas cheias e dois dedito
de sobra. bombachudo que andava, assim como quem
se prepara para trocar a plumagem e levantar voo de aurora,
aprendia degavarzinho a ajeitar o sogueiro para lida,
firmar assento no estrivo, trotar feito homem campeiro,
coisa que eu, por sinal, muito não era mas queria.
negro Ismael, sim, era homem gaúcho da copa ao dedão!
tinha os olhos cuscos e tristes e a fala pra pouco.
sorria sotreta pra tudo em que só via graça,
e o mate era ermão do silêncio que rondava o braseiro.

lembro, porque não deixo de esquecer, que tombo é marca
que machuca as partes e faz com que a memória engrace.
vinha eu, então, num trotezito de guri centauro, cheio de confiança
e não havia no mundo nada mais que me fizesse mais livre.
e aquele petiço era vaqueano que só ele. era dar boca
e ele se atracava a tocar gado feito piá descalço. daí, que no
bate casco meus arreios ladearam que nem xiru manco
e com uma das bundas que tinha soube que alto era o sogueiro.
seu Ismael estacou, parou no costado de uma porteira e ficou.
com o choro sufocado no peito de mocito, montei e fui ao seu encontro.

XXV

nunca fui um naturalista. o concreto convenceu-me
que a realidade, de fato, é dura.
não culpo os homens pela tristeza do tempo,
culpo o tempo pela tristeza dos homens.

XXIV

corríamos pelos matos de eucalito
fazendo guerra de bosta de vaca.
invadíamos o galpão à espera da encilha
do alazão que perdera já a dentuça inteira.
a piscina era oceano de uma pampa esguia
e os cerros de feno eram montanhas altas.

lindeiro às casas, o pomar invernado à distância.
o gado no campo do moinho e a sanga.
gemada e melancia; ambrosia e coca-cola
uma infância visitada no galope da memória.

XXIII

aqui as manhãs se amanhecem maçãs,
doces e vermelhas como as vestes de maria.
quando à noite a lua cresce, o céu aclara os olhos negros
e o vestido que balança rumo ao baile
roça o vento que namora a madrugada.
na estrada, as pedras cantam baixo serenatas.
aqui as tardes se entardecem mates,
abafadas e verdes como os olhos de mariana.

XXII

meu avô era homem trabalhador. plantava arroz
lá pras bandas da barragem. homem severo ele,
trazia lenço amarrado no pescoço,
e botinas de couro de capincho nos pés.
não conheci meu avô, homem de visão.
tinha um hotel e hoje é nome de rua na cidade nova.

XXI

a mãe do meu pai fazia rapaduras de leite
e tachos de ambrosia, e eu ia pro Girivá
colher bergamota. a mãe da minha mãe
quebrava galhos. quando pequeno,
pensava que ela entrava debaixo de um parreiral
e ali podava planta a tarde inteira.
demorei a compreender os adultos,
principalmente os altos.

XX

quando meus avós moravam na casa grande,
onde moraram meu pais e hoje moram meus tios, 
os pátios me pareciam enormes lugares sem fim
só o pátio de pedra, onde aquele cachorro raivoso
andava latindo impropérios contra o humor da passarinhada
era lugar que não se podia brincar...
de resto, os muros sempre foram pontes que levavam
a margens onde ainda hoje me rio.

XIX

Eu devia ter uns sete anos. minha memória
nunca foi tão boa quanto minha vontade de lembrar.
hoje, mais sábio, com cinco, 
sei dos mistérios todos da velhice... 
mentira!
no fundo não passo de uma idéia em alto-relevo.

XVIII

Logo depois do nascimento do meu último desatino,
desertei pra uma coxilha tomada de pequenas lembranças.
a recordação é uma película em preto-e-branco, cheia de
granulos de pão e pingos de limonada, que a memória
teima em reprisar sempre de maneira distinta.
Assim, quando a vista da coxilha permitiu que eu projetasse

todas as saudades minhas sobre a face infinita do céu,
ventei um sonho de nuvem num cochilo de campo.

XVII

Brilhava aquele armário como se de estrela fosse.
tudo quanto pertencia a seu interior era transparecência.
sempre me olhei no espelho, e não enxerguei nunca
nada além de uma cara de cachorro e uma cor de casca de ovo.
brilhava aquele armário como se eu fosse feito de invisível
e as estrelas em cima da mesa se enchiam de refrigerância escura.
minha avó tinha o maior amor por todo aquele brilho de cristal caído,
enquanto todas as flores do canteiro sorriam uma luz desconhecida.

XVI

gostava de bem vestir-se. no verão usava terno de linho,
chapéu panamá, gravata de seda e passeava-se rindo
do calor junto ao sol. meio dia na rua da praia:
expresso e cigarro; jornal e caneta.
no inverno de casa pouco saía. usava pantufas
e pijama de mangas compridas enquanto assistia lareira.

XV

pela austeridade de meu avô, cumpri ronda
em madrugadas de luar preguicento. junto
de um potreirinho vazio, mateava vagalumes
e pitava crioulos de solidão. meu pingo
vivia sobre o palanque do i e meu chapéu
sobre a cabeça do vô.
do sereno que molhava o pastiçal
ficaram serenatas e ruminadas estrelas.

XIV

desisti de ser um dandy, bebo de mais!
apesar de falar todas as línguas do mundo
mudo é como falo aos ouvidos dos outros
quis muito ser um dandy, embora hoje prefira
ser colher.

XIII

sendo o menino que fui, arteiro do jeito que sou
estórias não me faltam a dizer. bem verdade
que depois que seu Garrafa amoleirou a moleira
tudo mais perdeu um tanto da graça.
vivia ele na sobriedade severa dos homens criados a pó.
curtido da noite, bronzeado de lua, sempre bebeu
aos fantasmas que nunca deixou de avistar.
certa feita, tropeçou numa pedra de nada e não voltou
a fumar as cigarras que lhe vinham anunciar a partida.
seu Garrafa amoleirou a moleira e eu continuo piá.

XII

lá donde eu cheguei o frio é violeta.
toca viola nos cantos pra dançar as formigas.
aqui, onde nunca cheguei, foi triste ver o frio
do lado de fora da porta, solitário e desenxabido.
não voltei mais pra donde nunca saí,
e lá sempre festejei as rodas de fogo no chão.

XI

quando conheci minha mãe,
eu andava com o nariz tocando estrelas
e os olhos embaçando vento.
o mundo é lugar estranho. à medida que se envelhece
o corpo encurva que se confunde com a estrada.
o nariz fica que é terra e os olhos secam de luz
uma mesmice.
ainda quero morrer feito curva de rio.

X

Uma tarde enquanto a chuva caía e o céu se enfeitava,
eu caminhava numa campina de ouvido no temporal.
Desde então eu nunca mais pude ouvir aquela música
e desconfio que ela tenha sido feita pelo roçar das mangas
do meu casaco

IX

Quando eu ainda era um jovem impúbere,
fanático pela cinzura das tardes
achava fossem as nuvens pensamentos do céu.
Nunca deixei de acreditar que mesmo a ira de Deus é tranquila.

VIII

Os morcegos são pedaços do lado escuro da lua

VII

A lua é uma colônia de vagalumes encanecidos

VI

nunca duvidei da violência
embora seja ela a contradição do vazio

V

Gostava de jogar bola até que fiquei velho
E a poesia começou a nascer redonda
dos meus pés

contudo, sempre tive o dom
de estragar com tudo

IV

E quando crucificaram Jesus
não deixaram que ele,
ao menos, fizesse a barba

III

arruinei um sem-número
de vidas minhas
e não me permitiram
viver nos meus escombros

II

Se eu tivesse força para dar cabo
da minha vida,
faria da maneira mais divina:
me mataria dormindo

I

o cu da madrugada tem o perfume dos sonhos